quarta-feira, 1 de setembro de 2010


CHEIRO DE MEL
Malheiros(*) e Zürck

Dançando no arco claro da cama,
leve me torno,
........................ dócil.
À dois é essa briga
................................ de faca
............................. (sem gume),
................................ de garfo,
meu faro, teu cheiro de mel.

Enquanto a lua leitosa derrama,
minha lava em tua ostra
..... colhe pérola do amor
............................. “amora”
teu cheiro de mel
............................... aroma
No mar agitado, ponho a mesa,
....................................... a rima.
Na teia
meu trote se emaranha,
.................... e a aranha me mata.
. À tiro.
Eu tiro,
.... viro
........... e durmo.

*) Minha singela homenagem aquele que foi meu amigo
(meio irmão) e parceiro musical por quase uma década
(anos 70), quando ainda acreditávamos que iríamos mudar
o mundo empunhando apenas violão e palavras,
ROBERTO MALHEIROS, meu reconhecimento e
saudades, te encontro no paraíso.




NOITE DE MÚSICA POESIA E EMOÇÃO





          
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DIANTE DA TV



, às crianças é desnecessário o absurdo
se caminham na névoa ambígua da miséria
onde a desesperança, lama e ignorância
drogas e o dogma do areal
são medalhas cinzentas
que se lhes penduraram na alma


aprendizes em sua oficina
de nada suspeitam, apenas jogam o jogo
enquanto a favela queima no alvorecer impetuoso
fundindo os galhos no esforço de abril
e as folhas se deixando cair


o arame farpado nas testas
os pés escravos de becos e vielas
levam uma canção como um nó em suas gargantas


no cáustico som da clarineta
a música do furor
mas também da coragem esgarçada


E na sombra do esquife
embalado pelo desalento
a roda da fortuna se põe a girar


eu espreito


executado à crayon e carvão
há um desenho
- linhas e manchas escuras
seduzem meu olhar -
nele me reconheço
e acordo com frio






POR ESTES OLHOS NÃO VISTO

Para meu irmão Augusto


“Ante o enlevo que o gesto transmutou-se,
calou-se o meu desejo impaciente:
de outras questões, já prestes, refreou-se”
Dante
, ali
       onde o alvorecer nunca é bonito
       nem soa como música
       onde não há nem desagrado nem desejo
       não se estima nem se odeia
       onde o negro das letras impressas
       não murmuram segredos
       onde o violeta do Bougainville
       (por estes olhos não visto)
       e os mistérios
       não pendem sobre os muros
       onde não floresce o cravo amarelo dos esquecidos
       onde não se tem saudades das noites da chuva
       nem do sol nem das palavras humildes
       onde uma canção
       (que uma mulher canta ao longe)
       não entalha saudades indizíveis nos corpos
       e os corpos são dados ao recato


ali
       onde pedir uma flor qualquer é pedir demais
       onde não se bebe com a solidão
       onde a voz que sussurra não tinge a noite
        de sentimentos suaves
       nem faz brilhar no azul sua parcela de luz
       onde as canções
       (ou cartas ) de amor
       não causam dor aos simples mortais
       onde a cidade é perfeita sem as quatro estações
       e sem poetas
       Onde os homens são vagos
       e poucas as ferramentas


ali
      o passarinheiro não mais constrói pacientemente
      sua armadilha para atingir sua finalidade última















VINHO E BORBOLETAS



“Amar es descubrir, redescubrir, inventar cada mañana.”
Federico Mayor Zaragoza
, duas borboletas entraram aqui em casa


( naturalmente como vestais que são
não podiam tocar o solo
que não fosse do seu templo )


anunciaram sua chegada
com o suave farfalhar das sedas
de suas asas
eu permaneci tomando meu vinho dourado


(um Moscato Rosa
perfumado com essa flor)
não pude fotografá-las


De manhã haviam desaparecido
mas a casa ainda rescendia
ao perfume do vinho








ABRUPTO CORPO

"carne
onde inda vibram
do extinto amor os ecos."
Luís Miguel Nava
I

, os jornais de ontem e anteontem
coloquei-os numa caixa e me livrei deles
liguei o rádio
(Moreira Lima toca
Quebradinha” do Nazareth
                         onde Nazareth é todo
                         doçura, graciosidade e mimo)
apaguei a luz
porque sei que a vida ainda ocorre do mesmo
jeito aqui dentro apesar da penumbra
Tua existência mulher - cheia de premonição
e anseios e desejos - dói nos teus vestidos,
mas sei: tudo isso irá passar.
Talvez só um pouco mais e te coloque no colo
e abrace todo teu corpo


não nego meu delírio cotidiano
apenas me abstenho das coisas que o afã
removeu de nós


você me diz:
ninguém se perde
por possuir olhos secretos
nem por causa de ouvidos iludidos
por qualquer solo de sax tenor do Chivo Borraro”,
                                                                   sim, é verdade,
mas o que poucas vezes aceito é essa
tua estranheza déjà lu.
Tudo é bem mais e não surgiu agora
me ponho nu enquanto escrevo esta carta
da esquerda para a direita
depois no verso uns versos
porque de repente tudo fica tão fluido
e na inocência das minhas palavras
os mesmos versos
não suportam mais as mesmas coisas:
uma ou duas rosa no jardim vizinho
olhos alheios erigindo um umbral etc.
NÃO SUPORTAM MAIS, entendes?


II

Manhã seguinte:
desperto e vou para o teu tempo
e vou para a tua rua
que a mim te entrega
sou teu agora porque meus olhos ficaram enfermos
e meus poros ambicionam ao mesmo tempo
santos e loucos
(cuja lua crescente enfeita os olhos)
porque são sinceros quando choram



*  *  *




AUTO-RETRATO DO ANJO FULANO


“Bendito seja eu por tudo o que não sei”
F. Pessoa

, não sei não, o mar é cruel Pessoa...
apanha e devora pessoas, insígnias
                                         e insígnias e pessoas
e tu, filho da busca do Tao
onde “todos os dias algo é deixado para trás”
a ansiar hashis,
                          lírios líricos
                      delírios de potestades desajeitadas
aposentos pintados de azuis intensos
                                   e outras maravilhas
                                          tudo apenas comentários cabais
                                  para um samba-exaltação, nada mais


O espaço dentro de um vaso de barro
é que o torna útil, aprendeste do tao
mas como o vaso tu..............................
                                (verbo PARTIR no
                                 futuro do presente)
e só restará então
do humano o tempo chuvoso
e o ESTUDO PARA PIANO, MARIMBAS,
                                           MARIMBONDOS E BORBOLETAS OP. 13