terça-feira, 27 de maio de 2008

DE COMO EM MENOS DE UMA DÉCADA

TUDO PODE MUDAR

No funeral de um tio-avô

meu pai me disse:

“...hoje é ele, amanhã sou eu, depois de amanhã você... A vida se resume nisto...”

É, ele tinha alguma razão!

Três anos depois, menos de nove meses

da morte de minha mãe,

estávamos enterrando meu pai:

“... não podemos nos encontrar assim, apenas nestes momentos...”,

disse-me meu tio com os olhos injetados e úmidos e seu velho relógio, com o vidro

amarelecido pelo tempo, em seu pulso gordo

(a evidente unidade aristotélica).

Saímos dali lentamente, cada um

(com sua máscara de cera)

para suas ocupações, suas vidas (?). Eu também...

Hoje, apenas cinco anos depois, o estão enterrando

em algum lugar.

É, ele tinha alguma razão!

E eu ( vestindo verde ), diante desta imensidão azul e inútil do mar,

sepultura de sonhos e ambições.

Ambos sem razão nenhuma.

“[...] se o todo não se encontra em bom estado,

é impossível que a parte esteja bem.”

Sócrates

domingo, 18 de maio de 2008




SUÍTE CLARY ICE
Para minha filhinha Clarice
Uma manhã  
(e era sábado e era verão e era quase carnaval)
chamou - me como se sempre soubesse meu nome:
 “... o que você sentiu quando lhe falavam à janela?”
Não pude acreditar em meus olhos, ela era linda,
branca como uma sálvia florida
coberta de neve atávica e ancestral.
“... não sei até onde irão, mas também não quero saber!
...nunca mais, nunca mais! ... tudo meu, tudo meu!”
Clary Ice é foda!

Quando se vive uma oportunidade,
cada segundo é gota após gota
se esvaindo de um conta-gotas,
isso é o mais perto do viver para ela.
Um dia ela foi embora
- atendendo ao chamado de suas suposições -,
cuidar de suas crianças.
Construindo com elas solfejos e razões de desejos (ou vive-versa)
que talvez nunca sejam usados.
Mas elas não sabem que
Clary Ice é foda!

Ela vive desse doar-se durante o dia,
a noite, têm apenas a pequena flauta celta,
seus sons agudos e esta parede baixa,
como tema de suas conversas.
Entre uma e outra xícara de chá, cria um mundo de histórias (como aquela de quando o sol de todas as nações ficara cinzento e as torres brancas, zigurates – a despeito de seus movimentos horizontais e verticais e do deus perverso que as manipulava – foram sendo destruídas uma a uma) inspiradas nas janelas do edifício em frente, mas isso só faz aumentar o seu GRITO interno DE desespero por LIBERDADE... Liberdade além desta meia parede.
Clary Ice é foda!

Parte durante o dia no seu barco cereja, à vela,
mas sempre retorna, antes que os ventos
noturnos façam a vela, o barco e a ela mesma de idiotas,
para as promessas de vôo que o sono lhe concede.
E sonha com sujeitos loiros e surdos,
metidos em frágeis ternos de papel craft
- como eu sonhei, e acordei ansioso,
mas você ainda estava ali, deitada ao meu lado,
tua cabeça fazendo pressão sobre meu peito... -
que ela rasga com grande satisfação,
rindo irônica pelo que revela.
Clary Ice é foda!
 
               Mas quando precisou de mim
               eu não estava lá esperando por ela,
               Apenas um dia na vida e eu não me encontrava lá
               (e já era dezembro, e ela deve ter me procurado ansiosa
               com seus grandes olhos de cabra, amarelos e ternos,
               enquanto cantava “Happy Xmas (war is over)
               e essa imagem ainda dói em mim quando lembro ...),
               isso seria o suficiente...
E quando a amizade perde o valor
tudo se torna negativo,
tudo se torna invisível para a dor,
que vai se ampliando e suas areias
- Ole Lukoeje -
fazem do coração um deserto.
Mas Clary Ice limpou o seu
com as mãos tintas de lealdade.
Clary Ice é foda!

Uma manhã despertou com um som,
um estranho som de tambores e xilofone,
um chamado.
     “... quem estaria tocando a música desta manhã?
E a manhã de sol raiando dourada em seu peito.
     “Apenas o desejo troando no coração dessa manhã”, concluiu.
Ela sabe: as coisas não vêm facilmente.
Pôr-se a cantar, vestir-se com rigor,
saltar de pára-quedas
ou se enterrar na cozinha,
como um belo pássaro em uma gaiola
não vai fazê-la melhor do que ninguém,
ela sabe: as coisas não vêm facilmente.
Clary Ice é foda!

Claro, ela vai te questionar:
“... você esqueceu todo o sofrimento,
anos após anos, lá na fábrica ...?
Já esqueceu toda a dor do passado,
e esconde isso do teu único herdeiro?
Isto, em absoluto, irá fazer dele um grande cara,
ao contrário, o futuro não é alcançado
com nenhuma posição zen, chan, dhyana,
ou com aquela mandala em preto e branco
num pôster na parede.
Os desejos continuarão troando
no coração da manhã!”, etc.
Mas ela só quer a tua confiança,
Clary Ice é foda!

E eu continuei a fazer girar,
com um arame, meus carretéis coloridos
pelas ladeiras. E ela ao meu lado
com seus street rollers e os cabelos,
muito negros, ao vento da tarde
( “..., folhas das árvores caem quando estalo os dedos!”
“..., quando soluço, crescem-me as unhas dos pés!” ),
embora com as duas marcas que os caninos
do tempo deixam em nossos pescoços.
Ambos percebemos as pessoas e os relógios
(como a serpente mitológica),
fabricando certezas.
Porém, a música dos lírios lívidos e silenciosos,
macia como o pingar das velas,
nos tornou responsáveis pela paz saudável,
paz que construímos em nossa imaginação.
Uma paz fulgurante,
contas de cristal,
suficientemente grandes para serem vistas
mesmo na doçura das noites mais escuras
(na noite mais escura de uma terça-feira sem lua).
Clary Ice é foda!

Poucos saem vivos deste medo
cinzento de arder de paixão
(medo que de um cardo faz uma coroa - de - espinhos),
num outono público.
Toda a luz daquele sal uivando,
tão conscientemente cinzento,
queima as retinas.
Nós também, protegidos do sal cinzento
que queima nos olhos,
saltamos e não nos arrependemos,
à direita do meu olho, o pombo num vôo retilíneo
(que sigo com o olhar),
a direita do seu pescoço a pequena tatuagem.

                                   Mesmo que passemos do outono ao verão
                                   sem nos vermos, ela pega no telefone,
                                   (ainda que tarde da noite)
                                   me liga, e eu retorno para lá,
                                   sim eu me transporto para o seu lado...
                                                                            Clary Ice é foda!


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CLARICE
Cinda Vaz*
Clarice adolescente,
claridade transparente,
corpo, formas tão presentes.
Presente pro mundo é ela,
infinitamente bela...


Clara, clara como as nuvens!
Clara, clara claridade,
branca gaivota no azul,
dá-me infinita saudade.
tanta saudade que dá:
sua cor seu perfume,
sua meiguice, Clarice,
uma canção pelo ar.
Ai que saudade que dá...


Às vezes, é tão menina,
tão tranquila e alegre...
Brinca dança,
pula, corre
e dá vida a própria vida, 
com seu jeito de criança. 


outras... é mocinha séria,
pensativa e tristonha.
Guarda segredos,
mistérios...
Lágrimas a molhar a fronha.
Sonhos? Quem sabe o que é?
Quem sabe o que se esconde,
no coração de Clarice?


Dentro dela mora um anjo,
mora talvez o infinito,
um mundo todo pra ela...
Só ela sabe o que é...
Só ela sabe as cores,
dos cheiros e dos sabores.
Só ela que pode ver
toda beleza que quer
com seus olhos
de aquarela...


Só ela escuta a canção,
que compõe seu coração,
tão imensamente vivo
batendo... batendo... forte.
Batendo cheiro de vida,
tão clara vida, vivida...
Claridade transparente
da menina adolescente,
infinitamente bela...
________________
* poetisa e mãe de Clarice

sábado, 17 de maio de 2008

AYOM POOLO, Orixá da música e dos tambores.

DALMÍADAS

DA SÉRIE: HAI - KAIS MAL COMPORTADOS II

AUTO - RETRATO

Filho de Ogum

" Patakori, Ogum iye ! ”

(São Jerônimo padroeiro)

sem fé,

sem vícios,

um esplendor perdido.

PERSISTÊNCIA DA MEMÓRIA

Tocar nas

impermanências:

reminiscências

quinta-feira, 8 de maio de 2008