, às crianças é desnecessário o absurdo
se caminham na névoa ambígua da miséria
onde a desesperança, lama e ignorância
drogas e o dogma do areal
são medalhas cinzentas
que se lhes penduraram na alma
aprendizes em sua oficina
de nada suspeitam, apenas jogam o jogo
enquanto a favela queima no alvorecer impetuoso
fundindo os galhos no esforço de abril
e as folhas se deixando cair
o arame farpado nas testas
os pés escravos de becos e vielas
levam uma canção como um nó em suas gargantas
no cáustico som da clarineta
a música do furor
mas também da coragem esgarçada
E na sombra do esquife
embalado pelo desalento
a roda da fortuna se põe a girar
eu espreito
onde o alvorecer nunca é bonito
nem soa como música
onde não há nem desagrado nem desejo
não se estima nem se odeia
onde o negro das letras impressas
não murmuram segredos
onde o violeta do Bougainville
(por estes olhos não visto)
e os mistérios
não pendem sobre os muros
onde não floresce o cravo amarelo dos esquecidos
onde não se tem saudades das noites da chuva
nem do sol nem das palavras humildes
onde uma canção
(que uma mulher canta ao longe)
não entalha saudades indizíveis nos corpos
e os corpos são dados ao recato
ali
onde pedir uma flor qualquer é pedir demais
onde não se bebe com a solidão
onde a voz que sussurra não tinge a noite
de sentimentos suaves
nem faz brilhar no azul sua parcela de luz
onde as canções
(ou cartas ) de amor
não causam dor aos simples mortais
onde a cidade é perfeita sem as quatro estações
e sem poetas
Onde os homens são vagos
e poucas as ferramentas
ali
o passarinheiro não mais constrói pacientemente
sua armadilha para atingir sua finalidade última
( naturalmente como vestais que são
não podiam tocar o solo
que não fosse do seu templo )
anunciaram sua chegada
com o suave farfalhar das sedas
de suas asas
eu permaneci tomando meu vinho dourado
(um Moscato Rosa
perfumado com essa flor)
não pude fotografá-las
De manhã haviam desaparecido
mas a casa ainda rescendia
ao perfume do vinho
, os jornais de ontem e anteontem
coloquei-os numa caixa e me livrei deles
liguei o rádio
(Moreira Lima toca
“Quebradinha” do Nazareth
onde Nazareth é todo
doçura, graciosidade e mimo)
apaguei a luz
porque sei que a vida ainda ocorre do mesmo
jeito aqui dentro apesar da penumbra
Tua existência mulher - cheia de premonição
e anseios e desejos - dói nos teus vestidos,
mas sei: tudo isso irá passar.
Talvez só um pouco mais e te coloque no colo
e abrace todo teu corpo
não nego meu delírio cotidiano
apenas me abstenho das coisas que o afã
removeu de nós
você me diz:
“ninguém se perde
por possuir olhos secretos
nem por causa de ouvidos iludidos
por qualquer solo de sax tenor do Chivo Borraro”,
sim, é verdade,
mas o que poucas vezes aceito é essa
tua estranheza déjà lu.
Tudo é bem mais e não surgiu agora
me ponho nu enquanto escrevo esta carta
da esquerda para a direita
depois no verso uns versos
porque de repente tudo fica tão fluido
e na inocência das minhas palavras
os mesmos versos
não suportam mais as mesmas coisas:
uma ou duas rosa no jardim vizinho
olhos alheios erigindo um umbral etc.
NÃO SUPORTAM MAIS, entendes?
II
Manhã seguinte:
desperto e vou para o teu tempo
e vou para a tua rua
que a mim te entrega
sou teu agora porque meus olhos ficaram enfermos
e meus poros ambicionam ao mesmo tempo
santos e loucos
(cuja lua crescente enfeita os olhos)
porque são sinceros quando choram
, não sei não, o mar é cruel Pessoa...
apanha e devora pessoas, insígnias
onde “todos os dias algo é deixado para trás”
a ansiar hashis,
lírios líricos
delírios de potestades desajeitadas
aposentos pintados de azuis intensos
e outras maravilhas
tudo apenas comentários cabais
para um samba-exaltação, nada mais
O espaço dentro de um vaso de barro
é que o torna útil, aprendeste do tao
mas como o vaso tu..............................
(verbo PARTIR no
futuro do presente)
e só restará então
do humano o tempo chuvoso
e o ESTUDO PARA PIANO, MARIMBAS,
MARIMBONDOS E BORBOLETAS OP. 13