domingo, 1 de agosto de 2010



BARROCA PALAVRA

Nasci para administrar o à-toa
o em vão
o inútil.”
Manuel de Barros

, a mim,
bastava-me a palavra pássaro
e sua sombra feita de distância
para que mais leve
(queda-d'água)
se tornasse este desfiladeiro existência
e o transtorno fluido desta canção


Uma palavra mais leve
vitrificada como pena na chuva
a elevar-se ao ouvido
revelando o colóquio escorregadio
das violas de arame da Madeira
a liquidez audível dos desejo
bordados no bronze aceso
dos mais antigos afagos
para abrandar esta fuga invisível
que se dá quando ponho
minha indumentária
amarga de andarilho


a mim,
bastava-me a palavra pássaro






“OH DEUS, ISSO NÃO É A COISA CERTA!”



I
, ainda trajando roupas do dia anterior
no azul do tempo desperto
encontro-me num lugar repousante,
numa luminosa manhã de domingo
(vestida com o frescor da seda dourada)
e tudo parece tão bom e perfumado e eterno
O silêncio das onze - horas ao sol
me deixa preguiçosamente feliz
e a casa como que inalando
o perfume do jardim lá fora
                 e o jardim lá fora sorrindo
                 naquela luz

                                   t

                                   o

                                   d

                                   a

                                                                                 
                                    i    l    u    s    ã    o


de cada uma das minhas
(a) cinzas
(b) e desertas
(c) e repetidas
manhãs de domingo,
mais uma vez recitando meu

“monólogo do tempo
vestido com o frescor da seda amarela
quando tudo parecia tão bom e perfumado e eterno”
II


, presentemente desço à cidade entediado
procurando nas vitrines sorrisos,
afagos nos espelhos cubistas
apesar do domingo
apesar do vaso de beijos coloridos de alvorecer
apesar da criança com sua avó
(“mastiga bem, senão
nada de caramelos depois!”)
almoçando creme aromatizado de cogumelos (a avó)
e espaguete (a criança)
na loja de departamentos do oitavo andar.


Anões do enfado e da cobiça
com suas pernas curtas, montam uma dança
executada com magia
(apesar de tudo)
na cobertura do carrossel
( em torno da praça, outras vezes)
deixo-me estar observando
aquela frenética coreografia
mas “deixar-se estar apenas observando”
é a maneira mais equivocada
de fazer vista-grossa porque
todos por aqui jogam o “jogo do detetive”
e todos são os "assassinos"
                                              te piscando


(não dou a mínima...)

III
, depois de duas taças, já em casa, dizer ao gato:
“Olá querido!”
e ele com seus olhos felinos
e sua delicada natureza noturna
percebendo o tempo
( inexorável )
sutilmente arranjando a ponta
caqui da vestimenta da deslealdade
IV
, mais tarde
o velho Herivelto (“CAMINHEMOS”)
duas (ou três) poesias do Manoel ou
                                          Manuel
                                                      ( de Barros
                                                        ou Bandeira )
palavras cruzadas
quadrinhos
TV
prometo não zangar com Deus, mas
já lá estão as estrelas luxuriantes
o dia se foi
                   nenhuma certeza
                             e a certeza de coisa nenhuma
PARA MIM HOJE
COISA CERTA SÃO NOITES SEM ADEUS


(mas, pensando bem,
isso pode não ser tão ruim)


 


PIANO RUMOR

Para Cazuza e Ezequiel
, a música uma outra cidade submersa,
iluminada por dentro,
excessiva e inesquecível,
embala a dança das deidades agitando o coração
( esse recinto nômade dos órfãos )


Uma atmosfera feita
da amargura e da fantasia,
insanidade e renúncia,
entre lamentos e ruminações,
entre o uivo
e o silencio dos braços e dos violinos


levanta-se (como névoa) a melancolia dos BL[U]EroS
ao sabor da castidade cigana
e das encarnações originais
das ameixas vermelhas de outubro
em nossas camisas.

Em nossas camisas nossa presença
gravada no suor,
nas almas sinistros cânticos,
sons étnicos,
velhas tradições musicais.
Canções dos suicidas
(na testa o hachimaki da perseverança),
dos marujos fugitivos,
dos tuxauas fantasmas,
escritas na tranqüilidade ambígua
dos quartos de albergue.

Canções na desordem da mente,
no redemoinho entre febre e devaneio,
(língua na orelha fria)
breve canções para assassinar seu amante


NO JOGO SOMBRIO DA MORTALIDADE
A AGRADÁVEL CONDIÇÃO HUMANA





ORAGO

ou
São Sebastião do Rio de Janeiro



I
, construindo paixões e vinganças
a arquitetura da cidade pulsa
                       na cidade
oscilando entre o labirinto primordial
e sedutoras manhãs míticas

veleidades tenras e contraditórias
improvisando a realidade
para além do abjeto
e da metamorfose requintada de ângulos e retas
                                                                   (e retas e ângulos
                                                                                    ângulo reto
                                                                               retângulo)

paixão percebida pelos sentidos
gratos pelo embuste
ardil hábil e carnal
que acaricia toda forma de sonho

                     uma mão
                                     uma opinião
                                                          um credo
                     uma maneira de viver
sentimentos
                     lembrança
testemunhos das quatro estações
           (místicas estações)

magos
            duendes
príncipes e princesas
Eros
         veludo lã e lendas
narrativas aderidas à realidade
da parte velha da cidade
centro do reino cultivado

                           a face da cidade
              na minha face



II

A  F AC E
D A C I D
A  D  E  N
A  M   I  N
A     F     A
C  E A FA
R            S
A  D  A  C
I D A D E
M    I    N
H    A     F
A  R  S  A



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