domingo, 1 de agosto de 2010





CHORO PARA ALÉM DO JAZ[Z]IGO



Não quero flores,
nem coroa de espinho
Só quero choro de flauta,
violão e cavaquinho”
(Noel Rosa)
I
, um arco-íris derramando canções
em minha janela
(vestígios do dia)
insondáveis canções diurnas
melancólicas e efêmeras,
apenas um grito num mundo flutuante
(todas as minhas sutis fantasias
nos ombros deste grito)


II
Canto e batuco e batuco e canto no elevador
ritmos para alcançar os azuis dos céus urbanos
por ter um dia acreditado que para lá iria
(“... compro um piano ou faço um fudge?”)


III
Este anjo menino que toca
com seus sacrossantos pés (de anjo)
a terra, pelo prazer de suas texturas,
dança no absurdo encarnado
de archotes e sambas-canção
(embalados nas tempestades de outono)


IV
Também anseio canções assim
que ecoem na carne e sangue e ossos
e ossos e sangue e carne
como um velho at-tabaq aflito
arraigadas na realidade,
na fraquesa humana:
orgulho, vaidade, preguiça, avareza
inveja, raiva, luxúria...
Gosto de canção bonitas
tribais e pantanosas
que me digam coisas terríveis
(notícias más
são sempre mais suportáveis.
em uma boca bonita)
NOS  LIMITES DO  CHÃO,  COMO  ESTE ANJO
MENINO, TAMBÉM ANSEIO CANÇÕES ASSIM







SOB A APROVAÇÃO DA RUÍNA





, apesar da parede verde
da sala de jantar da casa do meu avô,
não há esperança,
o carrilhão queima-nos as horas
com aquela franqueza petulante
dos carrilhões e seus sinos estridentes
seus ponteiros pontiagudos
que te fazem sangrar.

Fechei os olhos, lá está:
um menino descalço
caminhando na praia.
Aquela renda líquida devorando-lhe os pés
e apagando-lhe as pegadas,
não devia ser justamente o contrário?
Ou é como deve ser a caligrafia de Deus
(... se é o que dizem,
duvido – da caligrafia, não de Deus)

Ao longe uma única vela branca.
Branca e solitária
naquela imensidão turquesa sem sentido do mar.
Bem, isso é tudo.


“Tira esse pé da parede menino.”
E a sola do sapato carimbada na parede
da varanda era como fazer poesia
de uma forma muito serena,
mas muito assustadora,
mais tarde perceberia.


“... você vai fazer quinze anos, já é um homem!”
Mas preciso dessa parede,
necessito dessas marcas.
Era como fazer poesia
de uma forma muito assustadora,
mas muito serena,
mais tarde perceberia.

O avô em seu quarto
como que sentado à sombra
das asas de um Serafim,
olhos tricotando o ar,
Saint-Saëns na vitrola,
(Dança Macabra)
o som e as notas úmidas contra a vidraça:
“... morrer é muito fácil para quem dança
ao som de Saint-Saëns, percebes?”

Em sua face não há tristeza
apenas o que já havia esquecido:
a parede da varanda,
o carrilhão da sala de jantar,
duas rosas, postais cheios de palavras
e um copo de vinho
(o silêncio encheu o copo).
Bem finalmente o silêncio.


O que eu estava dizendo mesmo?


Ora, isto não tem nenhuma importância,
não quando se vive sob a aprovação da ruína.


“A única maneira de se livrar de
um dragão é ter o seu próprio.”
Eugene Schwartz



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