domingo, 14 de dezembro de 2008










NO AI COSSA / QVE MAS DISPIERTE / QVE DORMIR / SOBRE LA MVERTE / AÑO DE 1699. ("Não há coisa que mais desperte do que dormir sobre a morte.") inscrição, registada na parede da igreja Sta. Maria Magdalena em Villamiel Extremadura, Cáceres, Espanha, foto de Angel Hernández.

. . .  

. . . . . .

UM PAR DE BOTAS E EU
Para o “tarado” na cadeira-de-balanço

, uma menina,
excelente menina
(como podem ser as garotas do subúrbio, aliás...),
deixei, uma noite, esperando por mim
no Lins.
Alma e curvas
diante do espelho
( em sua caverna de silêncios e azuis desbotados*,
... ou seriam e verdes?
Não a “caverna” de Platão, em sua “catcaverna”, quero dizer ),
pacientemente, penteia
( Dorotéia - rodrigueana - tece a teia,
pacientemente ...)
seus longos cabelos negros,
com uma escova verde de cabo quebrado
- espólios (sub)urbanos -
sonhando um amor de (foto)novela...


Mel da preguiça macunaímica nas veias
(também nas minhas).
Mulher-gato, me odeia,
MAS É ELA A PESSOA DE PLÁSTICO
(verde)
QUE SE DETERIORA.
Não leu Sartre.
a) pensa; b) come; c) ri; d) enrubesce;
e) mija; f) sonha...
Sem náusea, procura viver sua existência
INTENSAMENTE
( isto há anos ).




Uma menina,
excelente menina
(como podem ser as garotas suburbinenses),
deixei um dia (72) esperando por mim
no Lins,
escrevendo roma de cabeça para abaixo
(com o indicador direito,
no vidro embaçado da janela),
para aprender a amar ao contrário.

__________
* Jovens nus dançam ao som de Gymnopédie.

sábado, 22 de novembro de 2008




PAisagem [Q] pósTumA

, riscando um arco no céu,
pássaros sarcásticos
ofereciam uma revoada como um afago,
uma oferenda;
ao longe uma fileira de casinhas
de um branco fútil,
feriam a paisagem;
um gato cínico e azul
velava, apaixonado,
a entrada do pequeno jardim
e suas pedras
e suas flores desconfortáveis,
e seus antúrios de sexta-feira,
onde também florescia audacioso um girassol.
A luminosidade ocre e obscena daquela tarde
desfalecia num pequeno lago natural
onde peixes nadavam seus vermelhos obstinados.
Um Deus maroto
(provavelmente),
desde tempos remotos,
apontando os céus na cordilheira aguçada
distante, distante.


Aquela saudade desajeitada, futura,
(bem como a imensidão metálica e inútil do mar),
para sempre, habitando a memória do menino audaz.





CANÇÃO (IN)CONFORMADA
PARA IGNORAR AS CHUVAS


, um bate-papo, um dueto,
eu e você: um aqui outro lá
(encontro),
Um diante do outro: pas de deux,
dançando na rua,
sobre a geometria úmida e rigorosa
do calçamento, na chuva,
(ou com lobos, ou com leões).


A cidade, ao longe, na cerração, bela.
(ainda lá está o lampião inútil )
Eu e minhas imensas asas negras,
olhando à direita na amurada,
observo nada.


É verdade, confesso,
domestiquei - o numa pintura
(quase um Magritte),
Ele entre grandes bocejos,
contra o céu ocre, indiferente.
Seu felino despudor e impiedade,
domados pela precocidade
serena do outono,
sabem da diferença entre
o perene e o bolor.
Desta realidade
extraio esta arte consentida,
na penumbra construindo
esta história em branco e preto.
e nesta permanência imperativa
o que não é transe é negação,
Som, vinho e palavras, palavras, vinho e som.
Assim atravessamos dançando
o deserto desta tarde/noite
onde viver é como
arquitetar um homicídio.


Nos bemóis deste outono,
antes tardo que eunuco.







SOB A APROVAÇÃO DA RUÍNA



, apesar da parede verde
da sala de jantar da casa do meu avô,
não há esperança,
o carrilhão queima-nos as horas
com aquela franqueza petulante
dos carrilhões e seus sinos estridentes
seus ponteiros pontiagudos
que te fazem sangrar.

Fechei os olhos, lá está:
um menino descalço
caminhando na praia.
Aquela renda líquida devorando-lhe os pés
e apagando-lhe as pegadas,
não devia ser justamente o contrário?
Ou é como deve ser a caligrafia de Deus
(... se é o que dizem,
duvido – da caligrafia, não de Deus)

Ao longe uma única vela branca.
Branca e solitária
naquela imensidão turquesa sem sentido do mar.
Bem, isso é tudo.

“Tira esse pé da parede menino.”
E a sola do sapato carimbada na parede
da varanda era como fazer poesia
de uma forma muito serena,
mas muito assustadora,
mais tarde perceberia.

“... você vai fazer quinze anos, já é um homem!”
Mas preciso dessa parede,
necessito dessas marcas.
Era como fazer poesia
de uma forma muito assustadora,
mas muito serena,
mais tarde perceberia.

O avô em seu quarto
como que sentado à sombra
das asas de um Serafim,
olhos tricotando o ar,
Saint-Saëns na vitrola,
(Dança Macabra)
o som e as notas úmidas contra a vidraça:
“... morrer é muito fácil para quem dança
ao som de Saint-Saëns, percebes?”

Em sua face não há tristeza
apenas o que já havia esquecido:
a parede da varanda,
o carrilhão da sala de jantar,
duas rosas, postais cheios de palavras
e um copo de vinho
(o silêncio encheu o copo).
Bem finalmente o silêncio.

O que eu estava dizendo mesmo?

Ora, isto não tem nenhuma importância,
não quando se vive sob a aprovação da ruína.

“A única maneira de se livrar de
um dragão é ter o seu próprio.”
Eugene Schwartz






EQZMS

, o anil malévolo
vendia-se (em pequenas quantidades)
no grande magazine inglês,
e a menina (com seus cachos loiros) o havia comprado
e saíra feliz sob a chuva fininha,
pensando no sal, branco e alegre do sol nas ruas,
que continha sua própria existência cotidiana,
cotidiana,
cotidiana.
(mas ela não sabia disso, nunca saberia)
Guarda-chuvas recém-abertos cantavam em uníssono
“Walking In The Rain”...
(“Feels like I'm walking in the rain
I find myself trying to wash away the pain
'Cause I need you to give me some shelter
'Cause I'm fading away
And baby, I'm walking in the rain”)
... (em ritmo de samba)
tamborilando no teto dos carros estacionados
(ao correr da calçada)
e o som que se ouvia era (A) amarelo,
(B) vermelho,
(C) verde,
(D) etc.
e causava nobres sensações (e delírios, talvez)
nas senhoras burguesas que passavam,
mas nas sensações nobres, jazia sempre
o sangue fresco das palavras rubras nunca ditas.
Também é verdade que os grandes pés invisíveis
do cadáver roíam, a céu aberto, o jornal que os cobria,
bem na foto do jogador de futebol,
mas ninguém ligava,
chovia...
Nesta tarde
pedras, flores, gatos (ou vice-versa), pobres e impertinentes,
conduziriam a estranha e surpreendente "alquimia" das frutas.
“Alquimia”, essa doença crônica da pele das frutas.

“As solas dos sapatos / limpas / De andar na chuva”
Jack Kerouac












quarta-feira, 22 de outubro de 2008

POPOEMA VISUAL
Da série: " ARQUEOLOGIA DO PRESENTE - OBJETOS PERVERSOS I " Este "objeto" está em exibição no THE MUSEUM OF TEMPORARY ART, na Austria e pode ser visto aqui:

The Museum of Temporary Art

sábado, 11 de outubro de 2008

“ DE UM-TUDO NA ESTAÇÃO DA CENTRAL

Crianças esquálidas correm e esmolam por ali.

Também um cara vestido de palhaço, um camelô.

... um bêbado e um ladrão lá

(e um travesti e uma puta)

e ainda os quatros elementos e o som e a saliva

(e a saliva e o som).

Muita gente, muita confusão,

mãos e olhos e ossos negros,

que não dizem nada.

Só se experimenta a verdadeira dimensão da solidão

( esmagadora e absurda ),

na estação da Central, às 18 horas de uma quarta-feira.

 

Longe, bem longe dali, homens de negócios

bebem seu vinho com os homens da religião

(qualquer pessoa de um “certo nível” é suspeita,

e há muitas delas neste mundo),

e eles acreditam que vida é uma anedota de salão,

( sobre a pele - negra - tatuada do muro,

os insetos riem-se deles.

E de nós também, enfim...)

mas eu e você sabemos: NÃO É!

E esse é nosso destino.

(a) Crianças falam sem entusiasmo;

(b) O cara vestido de palhaço, reservadamente,

fala ao camelô de suas recentes despesas;

(c) o bêbado fala ao tempo;

(d) o ladrão fala com bondade às crianças.

(o travesti e a puta não se falam)

(e) “Ninguém conclui que há muito aqui estão?”

 

De um-tudo na estação da Central,

“O que eram no princípio?” Assegura esta visão...

De onde vieram todas essas mulheres e crianças

e palhaços e camelôs e bêbados e ladrões

(e travestis e putas)?

Quem eles eram, antes disto?

Brincaram de ver bichos nas nuvens?

Os empregados, sabemos quem são, estão de pés descalços

lá longe, na distância fria do subúrbio,

tentando dormir em meio a gritaria dos gatos e do casal no 311

(e o vento agora começa a uivar nas frinchas da janela).

Neste dia que (desgraçadamente)

precisa ser como outro qualquer,

de um-tudo na estação da Central.

Na estação e em todos os lugares,

e em todos os lugares nós estamos,

eles estão...

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

EXCREÇÃO

(ou EXCRECÊNCIA ORNAMENTAL ? *)

à Mello Neto e Gullar

Atirei longe

o velho baú

laranja

do João,

................( - Algumas palavras caíram no chão?

..................- É provável.)

sem o menor pudor,

nem de escrever,

nem de cagar.

Até por que,

como disse o outro,

palavras não fedem nem cheiram.

________

* como dizia Leminski

LEMINSKIADO

à Manoel de Barros

.................................evidentemente:

o poeta é um médium vidente,

........................................que mente

..................................(ou vice-versa)

á Wally Salomão

.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

ORIENTEMÉD( I )ORIENTE

ou

DIREITO DE TODOS? (*)

“O D’us inteiro

(aquele que é também um fogo consumidor

e que pôs a estrela em vossas testas)

e ainda o outro Deus, lá à entrada, por séculos, observam...

Finalmente, condescendentes e juntos,

entraram em nosso jardim,

ao leste do Éden,

para expor ao sol o mundo imperfeito da morte!”

Isto os meninos limpadores de pára-brisas

(ou com seus malabares, talvez)

estão falando agora lá fora,

em baixo do aguaceiro.

“... condenamos nossas crianças!”

Eu ( meu coração ) preservado aqui dentro,

mas corroído pelos insetos luzidios

da consciência iridescente

e marcado por cicatrizes iguais as deles.

Sei:

eles poderiam me impor obstáculos

se assim o desejassem,

pôr minha carne fraca, flácida e trêmula para pensar.

Mas isso não rola,

meu egocentrismo faz frente

e estas idéias apenas voam todas

ao redor de mim, inofensivas

como andorinhas

no verão particular deste interior.

É possível que um anjo tenha caído...

E nenhum deles desfilou ( e jamais desfilarão,

em nenhuma “parada de Sete de Setembro” )

vestido com meu casaco de general,

cheio de anéis e medalhas no peito.

Para eles só resta agonia em Getsêmani

(Guantánamo ou Guaribas, tanto faz...)

e centelhas - agulhas azuis - que saem de seus olhos,

nenhum D’us agonizante os sustentando

ou lançando a morte imperfeita ao sol do mundo.

“... condenamos nossas crianças!”

O D’us inteiro

(e também o outro Deus)

fez nosso lugar verde e perfeito, ao sol;

em nenhum mundo a morte;

nenhuma “parada de Sete de Setembro”.

Mas é possível que um anjo tenha caído...

Nós (e nossos corações) preservados aqui dentro

(no verão particular deste interior)

com nossos óculos de sol

e a morte perfeita, sob o sol do mundo lá fora.

_____________

(*) Menção Honrosa no I Prêmio Literário Canon de Poesia 2008

sexta-feira, 11 de julho de 2008

“faixa bônus”

Nesta seção você vai encontrar, sempre

uma novidade. A de hoje é a beleza

deste “poema gráfico”
Clique nas imagens para ampliá-las

terça-feira, 27 de maio de 2008

DE COMO EM MENOS DE UMA DÉCADA

TUDO PODE MUDAR

No funeral de um tio-avô

meu pai me disse:

“...hoje é ele, amanhã sou eu, depois de amanhã você... A vida se resume nisto...”

É, ele tinha alguma razão!

Três anos depois, menos de nove meses

da morte de minha mãe,

estávamos enterrando meu pai:

“... não podemos nos encontrar assim, apenas nestes momentos...”,

disse-me meu tio com os olhos injetados e úmidos e seu velho relógio, com o vidro

amarelecido pelo tempo, em seu pulso gordo

(a evidente unidade aristotélica).

Saímos dali lentamente, cada um

(com sua máscara de cera)

para suas ocupações, suas vidas (?). Eu também...

Hoje, apenas cinco anos depois, o estão enterrando

em algum lugar.

É, ele tinha alguma razão!

E eu ( vestindo verde ), diante desta imensidão azul e inútil do mar,

sepultura de sonhos e ambições.

Ambos sem razão nenhuma.

“[...] se o todo não se encontra em bom estado,

é impossível que a parte esteja bem.”

Sócrates

domingo, 18 de maio de 2008




SUÍTE CLARY ICE
Para minha filhinha Clarice
Uma manhã  
(e era sábado e era verão e era quase carnaval)
chamou - me como se sempre soubesse meu nome:
 “... o que você sentiu quando lhe falavam à janela?”
Não pude acreditar em meus olhos, ela era linda,
branca como uma sálvia florida
coberta de neve atávica e ancestral.
“... não sei até onde irão, mas também não quero saber!
...nunca mais, nunca mais! ... tudo meu, tudo meu!”
Clary Ice é foda!

Quando se vive uma oportunidade,
cada segundo é gota após gota
se esvaindo de um conta-gotas,
isso é o mais perto do viver para ela.
Um dia ela foi embora
- atendendo ao chamado de suas suposições -,
cuidar de suas crianças.
Construindo com elas solfejos e razões de desejos (ou vive-versa)
que talvez nunca sejam usados.
Mas elas não sabem que
Clary Ice é foda!

Ela vive desse doar-se durante o dia,
a noite, têm apenas a pequena flauta celta,
seus sons agudos e esta parede baixa,
como tema de suas conversas.
Entre uma e outra xícara de chá, cria um mundo de histórias (como aquela de quando o sol de todas as nações ficara cinzento e as torres brancas, zigurates – a despeito de seus movimentos horizontais e verticais e do deus perverso que as manipulava – foram sendo destruídas uma a uma) inspiradas nas janelas do edifício em frente, mas isso só faz aumentar o seu GRITO interno DE desespero por LIBERDADE... Liberdade além desta meia parede.
Clary Ice é foda!

Parte durante o dia no seu barco cereja, à vela,
mas sempre retorna, antes que os ventos
noturnos façam a vela, o barco e a ela mesma de idiotas,
para as promessas de vôo que o sono lhe concede.
E sonha com sujeitos loiros e surdos,
metidos em frágeis ternos de papel craft
- como eu sonhei, e acordei ansioso,
mas você ainda estava ali, deitada ao meu lado,
tua cabeça fazendo pressão sobre meu peito... -
que ela rasga com grande satisfação,
rindo irônica pelo que revela.
Clary Ice é foda!
 
               Mas quando precisou de mim
               eu não estava lá esperando por ela,
               Apenas um dia na vida e eu não me encontrava lá
               (e já era dezembro, e ela deve ter me procurado ansiosa
               com seus grandes olhos de cabra, amarelos e ternos,
               enquanto cantava “Happy Xmas (war is over)
               e essa imagem ainda dói em mim quando lembro ...),
               isso seria o suficiente...
E quando a amizade perde o valor
tudo se torna negativo,
tudo se torna invisível para a dor,
que vai se ampliando e suas areias
- Ole Lukoeje -
fazem do coração um deserto.
Mas Clary Ice limpou o seu
com as mãos tintas de lealdade.
Clary Ice é foda!

Uma manhã despertou com um som,
um estranho som de tambores e xilofone,
um chamado.
     “... quem estaria tocando a música desta manhã?
E a manhã de sol raiando dourada em seu peito.
     “Apenas o desejo troando no coração dessa manhã”, concluiu.
Ela sabe: as coisas não vêm facilmente.
Pôr-se a cantar, vestir-se com rigor,
saltar de pára-quedas
ou se enterrar na cozinha,
como um belo pássaro em uma gaiola
não vai fazê-la melhor do que ninguém,
ela sabe: as coisas não vêm facilmente.
Clary Ice é foda!

Claro, ela vai te questionar:
“... você esqueceu todo o sofrimento,
anos após anos, lá na fábrica ...?
Já esqueceu toda a dor do passado,
e esconde isso do teu único herdeiro?
Isto, em absoluto, irá fazer dele um grande cara,
ao contrário, o futuro não é alcançado
com nenhuma posição zen, chan, dhyana,
ou com aquela mandala em preto e branco
num pôster na parede.
Os desejos continuarão troando
no coração da manhã!”, etc.
Mas ela só quer a tua confiança,
Clary Ice é foda!

E eu continuei a fazer girar,
com um arame, meus carretéis coloridos
pelas ladeiras. E ela ao meu lado
com seus street rollers e os cabelos,
muito negros, ao vento da tarde
( “..., folhas das árvores caem quando estalo os dedos!”
“..., quando soluço, crescem-me as unhas dos pés!” ),
embora com as duas marcas que os caninos
do tempo deixam em nossos pescoços.
Ambos percebemos as pessoas e os relógios
(como a serpente mitológica),
fabricando certezas.
Porém, a música dos lírios lívidos e silenciosos,
macia como o pingar das velas,
nos tornou responsáveis pela paz saudável,
paz que construímos em nossa imaginação.
Uma paz fulgurante,
contas de cristal,
suficientemente grandes para serem vistas
mesmo na doçura das noites mais escuras
(na noite mais escura de uma terça-feira sem lua).
Clary Ice é foda!

Poucos saem vivos deste medo
cinzento de arder de paixão
(medo que de um cardo faz uma coroa - de - espinhos),
num outono público.
Toda a luz daquele sal uivando,
tão conscientemente cinzento,
queima as retinas.
Nós também, protegidos do sal cinzento
que queima nos olhos,
saltamos e não nos arrependemos,
à direita do meu olho, o pombo num vôo retilíneo
(que sigo com o olhar),
a direita do seu pescoço a pequena tatuagem.

                                   Mesmo que passemos do outono ao verão
                                   sem nos vermos, ela pega no telefone,
                                   (ainda que tarde da noite)
                                   me liga, e eu retorno para lá,
                                   sim eu me transporto para o seu lado...
                                                                            Clary Ice é foda!


###############


CLARICE
Cinda Vaz*
Clarice adolescente,
claridade transparente,
corpo, formas tão presentes.
Presente pro mundo é ela,
infinitamente bela...


Clara, clara como as nuvens!
Clara, clara claridade,
branca gaivota no azul,
dá-me infinita saudade.
tanta saudade que dá:
sua cor seu perfume,
sua meiguice, Clarice,
uma canção pelo ar.
Ai que saudade que dá...


Às vezes, é tão menina,
tão tranquila e alegre...
Brinca dança,
pula, corre
e dá vida a própria vida, 
com seu jeito de criança. 


outras... é mocinha séria,
pensativa e tristonha.
Guarda segredos,
mistérios...
Lágrimas a molhar a fronha.
Sonhos? Quem sabe o que é?
Quem sabe o que se esconde,
no coração de Clarice?


Dentro dela mora um anjo,
mora talvez o infinito,
um mundo todo pra ela...
Só ela sabe o que é...
Só ela sabe as cores,
dos cheiros e dos sabores.
Só ela que pode ver
toda beleza que quer
com seus olhos
de aquarela...


Só ela escuta a canção,
que compõe seu coração,
tão imensamente vivo
batendo... batendo... forte.
Batendo cheiro de vida,
tão clara vida, vivida...
Claridade transparente
da menina adolescente,
infinitamente bela...
________________
* poetisa e mãe de Clarice