II ato
agora aqui estou
bolo alimentar de dragão mecânico
(de homens que o criaram)
dragão mecânico
se arrasta
pela artéria esclerosada
do trânsito carioca
B R A S I L
país - avenida
(não confunda)
dragão mecânico
devorando
vomitando
operários
lavadeiras
crianças
artistas
velhos
putas
defecando
monóxido de carbono
R A M O S
o dragão cospe na calçada
a banhista
com cara de dançarina da Broadway
da praça Mauá
a falta de espaço
no estômago do dragão
obriga homens e mulheres a esfregarem-se
masturbarem-se
acasalarem-se
(nunca um acasalamento normal)
a fêmea calada
a volumosa presença do macho
espremida
machucando volumosa
a jovem pudica
pudica
gente
árvores
bichos
(correm de costas)
lá fora
a morte embosca sob a passarela
acidente(?)
suicídio(?)
imprudência(?)
sangue no canto da boca
olhar
sem imagem
lama na cara
nas mãos
todo corpo
lama
sempre morte
miserável monstro mecânico
pela terra
pelas pedras
placas
passam viadutos
buracos
barracos
(semeados às margens)
vende-se este barraco
tratar aqui
rio Meriti
(rio?)
garotos banham-se e protestam
(em vão)
contra a discriminação racial
(o rio é negro)
fazem fazes e
meinha às margens
(o rio fede)
e o esperma branco
escorre fecundando o rio
(em vão)
as fábricas também ejaculam
(seu maldito/mal visto esperma/espuma)
na boca do rio
magnatas contorcem-se
convulsos no orgasmo
o rio
violado
estuprado
calado
morre
calado
agora sou eu cuspido à margem
e também cuspo
um mosquito que me entrou na boca
que talvez cuspa
uma gota de sangue amargo-envenenado
da minha língua
(meu idioma)
"mas que diabos vim fazer ao fim do mundo?"
"lutar por um bom emprego"
(responde em coro meus glóbulos cerebrais)
minha alma se deixa levar
vestem-na com uma túnica
encardida
deixa-se enforcar
não vale mais nada
(fim do II ato)
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